Rede artificial

Amigo-pixel, quase desconhecido,
curte recortes da página alheia,
comenta amenidades da vida pública.

Multidão de solitários e eu perdido.
Os pedidos de aceitação ecoam
nas ondas invisíveis. Súplica.

Eu quero calor. Não máquina.
Eu quero voz. Não metálica.
E tua presença. Única.

Falta II

Eu esperei a tua volta. Na saída para o almoço, olhei para os lados. A rua vazia estava lá para mim. Fui ao restaurante e pedi o prato mais gorduroso possível, imaginando a tua cara de reprovação. Talvez um ato de rebeldia depois de tantas saladas.
O trabalho foi o mesmo de sempre. Mas não podia deixar de me sentir como a rua que havia encarado ao bater o meio-dia. Faltava propósito. Mas não quis ceder. Ocupei a mente com demanda qualquer.
O caminho de casa foi tão automático quanto nos outros dias. A espera de te encontrar já não existia quando pisei fora do prédio. É difícil admitir certas coisas, mesmo quando já sabemos seu desfecho. O fim.
Enfrentei o frio com indiferença. Cumprimentei os conhecidos com frivolidade. Agora vou dormir desejando boa-noite a mim mesmo. Que assim seja.
Fazia tempo que não escrevia sobre amor. É que quando ele falta, só as palavras me sobram. E por isso volto para elas.
Olá, de novo.

 

Saída

O ar sufoca apenas de saber que é a última vez que faria isso. O caminho até ali nunca fora tão longo. Talvez a nossa percepção do mundo mude de acordo com a situação. Ou isso seja só uma desculpa para sermos babacas de vez em quando. A questão é lá estava eu, e minhas coisas, do lado de fora.

Havia esquecido uma camiseta, uma de minhas favoritas. De propósito, provavelmente. Digo isso porque não saberia dizer se estava controlando meus passos. Pelo que lembro, nem respirava. Era como se eu pudesse observar a cena toda através de uma fina película sépia.

Aproveitei para sentar no meu lugar do sofá uma última vez, enquanto dobrava a roupa em meu colo. Ali, tinha vivido coisas pequenas, mas as quais jamais esquecerei. Como os primeiros passos de meu filho ou as várias reuniões de amigos.

Ela também estava lá dentro. O processo era tão dolorido que mal podíamos nos encarar. Mas depois do fim, com os olhos já secos, quando podemos ver o quadro já montado, as coisas não precisavam ser tão conflitantes. O arrependimento, apesar de um erro, é inevitável.

Pedimos desculpas. Esboçamos um sorriso e ensaiamos um abraço. Aqui vai mais um arrependimento errado e inevitável: devia ter ficado lá um pouco mais.

Instinto

Tem gente que foge. E outros ficam. De responsabilidades, dores e de relacionamentos. E os que fogem, veem uma ligação nessas três palavras. Não os culpo: sou dos que ficam e também vejo um encadeamento inevitável ali.

Fugir é um ato quase irracional. A simples menção da palavra “amor” é como um estampido para uma gazela. Corre-se sem nem saber porque. Engraçado como a mesma inteligência que pode nos fazer refletir se foi uma arma ou uma árvore caindo em algum lugar, pode também nos fazer ficar. E morrer nas mãos do terrível caçador.

Ela é das que correm. Ou ao menos era. Pacientemente, aprendemos a confiar – e conviver – com o outro. Sem pressa.

Amor, na mesma medida que traz responsabilidade e dor, enche-nos de sentido e conforto. Na dúvida, não corra.